quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Leitura no Ensino Médio: o real e o ideal

Leitura no Ensino Médio: o real e o ideal

Géssica Bárbara Alves

Jaílton Milhomem da Silva

Luciano Rodrigues Leite

Joana Glaucia dos Santos

Resumo
A problemática que envolve o hábito da leitura começa na alfabetização e se estende até o ensino médio, em razão da utilização dos textos estarem antiquados e fora da realidade do aluno, afastando-o do prazer da leitura. Os livros didáticos reproduzem ideologias ultrapassadas e exige do aluno uma leitura que ele ainda não tem. Para analisar as dificuldades de interpretação dos textos didáticos apresentadas pelos alunos do Ensino Médio, foi realizada essa pesquisa, com o objetivo de observar e examinar a leitura e compreensão textual de 60 alunos de uma escola da rede Estadual de Educação de Goiás.
Palavras-chave: Leitura, Ensino Médio, Letramento

1- Introdução
A leitura cerca o cotidiano das pessoas nas mais variadas atividades. Desde a simples tarefa de tomar um ônibus ou em situações mais complexas, como redigir um trabalho acadêmico, o nível de desenvoltura no ato de ler pode significar a vitória ou o fracasso perante as exigências impostas pela sociedade atual.
No mundo globalizado, conseguir entender as informações escritas produzidas pelos meios impressos (revistas, jornais, livros, propagandas, folhetos informativos, documentos, boletos bancários, manuais de instruções, receitas etc.) conduz o indivíduo ao início da plena participação nas decisões que determinarão a sua vida. É a partir da interação com um rol de conteúdos socialmente elaborados que o ser humano tem a possibilidade de fazer escolhas conscientes, baseadas na análise dos pontos de vistas conhecidos e observados por meio das leituras.
Falhas na compreensão dos discursos escritos contribuem para o total desarranjo do cidadão na comunidade onde vive. A impossibilidade de usufruir das conquistas tecnológicas (computadores, eletrodomésticos, eletroeletrônicos) e sociais (direitos trabalhistas, do consumidor, direitos humanos, da criança, do idoso, dos portadores de necessidades especiais) ocasionada pela leitura deficiente, condena qualquer pessoa ao isolamento cultural e a marginalização no mercado de trabalho.
A educação do século XXI está pautada nas ferramentas tecnológicas, mas longe de formar leitores atuantes, possuidores das habilidades necessárias para a compreensão e produção conscientes de discursos coerentes e concretos.
Conforme Ezequiel Theodoro da Silva (2009, p. 66)
De fato, se observarmos bem, veremos que os leitores são obrigados a reproduzir os significados já constatados e cristalizados pelo professor e/ou pelo livro didático. Em outras palavras, "acertar na leitura" é se encaixar no significado consagrado e petrificado pela instituição escolar. Assim, compreender um texto é reproduzir uma idéia, na tentativa de se aproximar daquilo que o professor e/ou livro didático dá como certo e não gerar ou criar novas possibilidades de significação para os textos. Ao invés de um processo aberto e partilhado, temos pela frente um mecanismo restritivo, convergente e em total desacordo com a natureza do ato de ler. É por isso mesmo que venho me opondo radicalmente aos chamados questionários de "interpretação e compreensão'’, que funcionam como verdadeiras camisas-de-força à liberdade interpretativa dos leitores.

Estudantes chegam ao final do Ensino Médio apresentando dificuldades na leitura dos textos presentes nos livros didáticos. A pouca habilidade com os materiais impressos origina-se na alfabetização e prossegue nos anos seguintes. Informações desencontradas, palavras desvinculadas de contexto, excesso de textos fragmentados, análises baseadas em aspectos simples, pouca inferência conduzem os alunos a uma leitura decodificadora e pouco esclarecedora da realidade.
A investigação sobre a dificuldade de interpretação dos textos didáticos apresentadas pelos alunos do Ensino Médio pode indicar formas de diminuir o impacto negativo causado pela má construção da aquisição da tecnologia da leitura na escola.
Logo, fica evidente a necessidade de uma investigação com o objetivo de analisar as causas das dificuldades de leitura dos alunos em compreender os textos dos livros didáticos, para que possam ler as coisas do mundo, numa sociedade onde a leitura posiciona pessoas, é o que constata Hélio Fernandes (2005, p. 01) “[...] numa sociedade de classes, o documento escrito levou e leva vantagem sobre a memória coletiva. Deste modo à divisão social ocorre entre: cultos e incultos, letrados e iletrados e, por conseguinte, dominadores e dominados”.
A leitura apontada como libertadora é aquela prática capaz de posicionar o indivíduo de forma justa na comunidade onde vive, tornando-o um usuário ativo, que julga de forma coerente os discursos colocados pelos diversos meios de comunicação. O julgamento coerente está baseado na utilização da leitura para a satisfação das diversas necessidades da vida em sociedade: lazer, estudo, saúde, transporte, segurança. Todas as interpretações originadas por essa postura precisam ser reveladoras das reais intenções de quem produziu os textos lidos.

2 - Leitura e construção do leitor
O contato com textos escritos é um ato repleto de vida e deveria estar no cotidiano de todos, nas práticas de comunicação e nas bases do conhecimento de toda a sociedade. A leitura é uma garantia de liberdade e garantia de existência cultural e política no país. Por ser tão importante e estar alicerçada na diversidade de situações de vida e circunstâncias comunicativas, a leitura não pode ser apenas uma mera habilidade de reconhecimento e de manipulação de códigos. São instrumentos de inserção no mundo, para compreendê-lo e alterá-lo, como ferramenta do entendimento. É o que Freire diz: “a leitura de mundo precede a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele”. (Freire, 2000, citado por Rosa Amélia da Silva, 2006, p. 01)
Saber ler e escrever significa apropriar-se das diversas competências relacionadas à cultura orientada pela palavra escrita, para poder atuar na sociedade como um todo. A educação, no que diz respeito a esse ato de inclusão, que é letrar - mais do que alfabetizar -, tem uma função mediadora. A ação na sala de aula deveria promover a aquisição e a utilização crítica da leitura e da escrita de forma mais ampla, pois Soares, (2003) indica que o problema não está apenas em ensinar a ler e a escrever, mas fazer com que os indivíduos - crianças e adultos- utilizem a leitura e a escrita em práticas sociais de leitura e de escrita.
Esse processo de leitura e escrita se coordena articulado ao mundo, numa prática que habilita os sujeitos a dialogarem com as complexidades do texto escrito e de forma contínua, reorganiza-se politicamente, viabilizando aos sujeitos envolvidos, pela leitura, a reflexão e a atuação no que tange às dinâmicas sociais. De alguma forma, o letramento estabelece-se num processo sem fim, num caminho com pontos de partida e de chegada.
O ato de ler e escrever deve começar a partir da compreensão do ato de ler o mundo, coisa que o homem faz antes mesmo de ler a palavra. Soares (1998, p. 45) afirma que:
Também o conceito de alfabetização teve de ser ampliado, com o aparecimento das teorias de letramento. Podemos entender letramento não apenas como a apropriação e o conhecimento do alfabeto, mas como o processo de apropriação das práticas socias de leitura e de escrita e, naturalmente, das capacidades nelas envolvidas.
Letramento aqui não pode ser entendido como a aprendizagem do alfabeto e suas combinações - sílabas, palavras descontextualizadas e fragmentos de textos. O sentido é mais amplo e deve abranger a leitura e a escrita dentro de contextos reais, ou seja, práticas sociais de leitura e escrita.
Soares (1998, p 45) aponta que:
Á medida que o analfabetismo vai sendo superado, que um número cada vez maior de pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que, concomitantemente, a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na escrita (cada vez mais grafocêntrica), um novo fenômeno se evidencia: não basta aprender a ler e a escrever. as pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática de leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita...”.

Fica claro que saber ler e escrever um montante de palavras não é o bastante para capacitar o aluno para a leitura diversificada e realmente significativa. Quando o sujeito é levado a interpretar, sistematizar, induzir e ler, ele terá condições diferenciadas de ver e agir no mundo, de maneira consciente e emancipadora.
Por isso, o ato de aprender a ler e a escrever envolve a possibilidade de usar esse conhecimento em beneficio de maneiras legitimas e necessárias em um determinado contexto cultural. É um processo de construir significados a partir do texto, que só se torna possível se houver interação entre o que é lido e o leitor. Quanto maior for a interação entre eles, maior será a importância e o significado. Ler é um processo que se desenvolve ao longo de toda a escolaridade e de toda a vida.
No momento em que chega à escola, a criança já é um leitor do mundo, pois, desde muito cedo, começa a ouvir, observar e interagir, atribuindo significados a seres, objetos e situações que a rodeiam. E deveriam ser estas as mesmas estratégias de busca de sentido para compreender o mundo letrado que a espera.
Essa aprendizagem natural da leitura deveria ser considerada pela escola e incorporada às estratégias dos professores, para melhorar a qualidade desse processo contínuo. Dessa maneira, a ação de ler o mundo é enriquecida na medida em que a criança enfrenta a diversidade de textos.
A leitura na escola tem por objetivo levar o aluno à análise e à compreensão das idéias e elementos nos textos, juntamente com seus efeitos e significados. É muito importante para o aluno se envolver, emocionar-se com aquilo que lê.
Em contrapartida, o que se vê na escola são práticas totalmente contrárias a essas, tanto que aluno chega ao ensino médio sem saber “ler” um texto do próprio livro didático. Os alunos não conseguem compreender aquilo que estão lendo, por isso apresentam tantas dificuldades na sala de aula.
É preciso resgatar o interesse pela leitura. Buscar atividades que enriqueçam a prática da leitura na sala de aula e levem os alunos a sentir o gosto e a importância de ser um leitor.
Se esse resgate não acontecer os alunos continuarão distantes da leitura e as suas dificuldades na escola serão cada vez maiores.
3- Análises de experiências
A pesquisa foi realizada no Colégio Estadual Ocidental, com duas turmas do 3º ano do ensino médio no turno matutino. Foram 60 alunos com uma média de idade entre os 15 e 18 anos de idade, todos moradores da cidade e alunos freqüentes nesse ano escolar.
O estudo foi realizado por meio de dois tipos de pesquisas: bibliográfica porque foi feita uma revisão da literatura a respeito do tema da pesquisa e de campo porque foram coletadas informações sobre alunos do ensino médio que estão diretamente envolvidos com a investigação.
Com o auxílio da pesquisa bibliográfica foi possível refletir sobre as dificuldades de leitura dos alunos e a de campo auxiliou na busca por informações referentes aos alunos.
Foram utilizados dois instrumentos na pesquisa: a observação que serviu para coletar dados sobre determinados aspectos da vida escolar e leitura dos alunos e o questionário que visou também a coleta de informações, mas atingindo um maior número de alunos, com respostas mais rápidas e precisas, além de os alunos terem mais liberdade para responder.
O questionário envolveu questões sobre a relação do aluno com a leitura: seus gostos, dificuldades, livros e curiosidades. Foi aplicado na hora do intervalo, previamente agendado com a direção da escola. Os estudantes foram informados sobre os objetivos da pesquisa, bem como o fato de que aquele questionário não seria usado como avaliação formal da escola e que os alunos não seriam identificados. Os alunos usaram aproximadamente 25 minutos para responder às questões.
O bom desempenho na aquisição da leitura esteve presente em 70% dos relatos. Os alunos entrevistados devem ter sido alfabetizados entre os 7 e 8 anos, quando o governo brasileiro iniciou o processo de formação de professores em convênios com as universidades federais e estaduais. Desse modo percebe-se um ganho qualitativo na forma como a alfabetização foi desenvolvida. Por outro lado essas dificuldades não foram totalmente resolvidas, já que houve estudantes que vivenciaram dificuldades na aquisição da leitura e da escrita. Os professores ainda carregam práticas pouco produtivas para resolver as dificuldades ligadas aos distúrbios da aprendizagem.
Ainda é muito comum a família não estar presente no desenvolvimento das tarefas escolares. A participação familiar resume-se a compra de materiais e uniforme, quando possível. As visitas à escola ocorrem apenas para verificar o comportamento dos estudantes. Se não houver nenhuma queixa quanto às atitudes das crianças, as notas não serão questionadas. Apenas 25 por cento demonstrou ter recebido alguma orientação para execução das tarefas de casa.
Outro fator negativo é a quase total ausência de materiais de leitura nas casas dos estudantes. Isso contribui para a pouca experiência dos alunos no manejo com diferentes textos e seus suportes. Há uma forte dependência dos estudantes em relação à escola e às oportunidades com materiais impressos para leitura.
É nesse momento que a sabotagem acontece. Embora a escola deva criar oportunidades para que haja o manuseio de diferentes materiais escritos, é total a carência de bibliotecas para isso. Bibliotecas são consideradas privilégios nas escolas estaduais, os concursos públicos para o provimento de cargos na área da educação não buscam candidatos com formação em Biblioteconomia, logo, bibliotecas escolares estão fora das políticas públicas estaduais.
A leitura e a compra de livros não são hábitos cultivados pelas famílias dos alunos entrevistados. A maioria nunca presenciou momentos de leitura realizados pelos pais e nem mesmo a compra de livros ou revistas.
Os entrevistados concordam que ler é muito cansativo e que os livros didáticos deveriam trazer textos mais curtos e com mais gravuras. A leitura escolar - somente feita nos livros - sempre produz sono e cansaço mental, porque é difícil entender o que o texto diz. Além disso, é uma leitura feita por imposição, já que os estudantes não se identificam com os textos lidos e fazem as atividades de leitura apenas por obrigação para “tirar notas”. Há muitas palavras difíceis e não se pode usar o dicionário a todo o momento.
Não houve a indicação no questionário de nenhum professor como modelo de leitor a ser seguido, o que vem confirmar, junto com a família não leitora, a pouca quantidade de livros lidos pelos estudantes durante a vida escolar.
Todo esse processo gera duas dificuldades comuns para a maior parte dos estudantes entrevistados: ler sem tropeçar e saber “respirar” na hora de usar a vírgula.
Os alunos que participaram da pesquisa mostraram que suas dificuldades na sala de aula estão intimamente ligadas a interpretação dos textos didáticos e a falta de interesse pela leitura dos mesmos. Fica evidente que a pouca habilidade com os materiais impressos origina-se na alfabetização e prossegue nos anos seguintes, se tornando um verdadeiro tormento para os adolescentes.

4- Considerações Finais

Informações desencontradas, palavras desvinculadas de um contexto, excesso de textos fragmentados, análises baseadas em aspectos simples e a pouca inferência fazem com que os alunos não compreendam aquilo que leem e os fazem ficar distantes de tudo aquilo que envolve a dita “leitura de escola”.
Nesse espaço (a escola) o livro didático é a espinha dorsal das atividades escolares da rede pública de ensino, apesar de já ter recebido várias criticas. Ele tem posição de destaque, chegando a funcionar como o desencadeador das atividades escolares. A sua consagração no PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) não deve torná-lo livre de análises criteriosas nem muito menos o único suporte de material escrito para o aluno. É necessário apresentar aos estudantes outros gêneros textuais em suas verdadeiras fontes, sem adaptações ou a utilização fragmentada de textos, que geram uma interpretação fantasiosa dos fatos sociais.
A escola deve desenvolver atividades centradas numa perspectiva de letramento, onde o aluno possa desenvolver competências e habilidades que o permitam inserir-se na sociedade como um verdadeiro produtor de sentidos em relação ao que lê e ao que escreve, percebendo o que é dito e principalmente o que é omitido.

5- Referências

FERNANDES, Hélio Clemente. A Leitura, o Professor e a Sociedade de Classes. VIII Seminário Nacional de Literatura, história e memória. II Simpósio de Pesquisas em Letras da UNIOESTE. Disponível em: cac - php.unioeste.br/eventos/.../anais/../simpósio_formacao_2pdf
SILVA, Ezequiel Theodoro da. A leitura no contexto escolar. Disponível em: www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_05_p063-070_c.pdf
SILVA, Rosa Amélia Pereira da. Compreender o ato de ler e praticar a leitura na vida e na escola. Disponível em: Grupo Literatura, Ensino e Recepção – LER – UnB.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

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